Post Scriptum
[edhson j. brandão]
Sentado
no quarto, entre o livro e os cadernos, as palavras são inerentes. O lápis, a
ponta redonda, evita a escrita que deve tomar forma redonda e contínua. Há
muito o que dizer, mas falta a escrever. Não sabe, não vê, em dúvida: a forma
que as palavras lhe toma. Esquece os discursos diretos e indiretos e não
importam os prejudicados dos sujeitos tendo ou não objetos. O empecílio, eu
creio, é a forma da letra.
Os
cadernos, vejo, são os registros interinos de toda uma vida de escolas,
cadeiras, tédios e atenções. O mais velho de todos que é pego, difícil ver
daqui, mas parece ser de quando tinha oito anos e nessa idade a palavra copiada
tem suntuosas formas. As, os, pês e quês como pãezinhos redondos de cascas
inteiriças. Enquanto relê a margarina que os vocábulos pedem seu olho toma o
retrato da mãe, na estante à sua direita, que olha atenta sua grafia porque
nada pode atravessar os limites da linha. Embora os pingos dos is brinquem de
pular entre os jotas e escorregam nas elipses do v, a brincadeira tem hora para
acabar porque as oito da noite as crianças jantam e as nove dormem.
Deixa-o
para verificar aquele de molas, folhas baleadas. As escritas adolescentes
parecem não conformadas com os perímetros das pautas e margens. A rebeldia na
mistura entre caracteres cursivos e de imprensa sugerem um rebu que franze sua
testa, vejo. No entanto, os vocábulos assimétricos parecem fazer surgir
murmúrios que muito se aproximam do que se tem agora. Mas também deixa este
caderno para tomar as folhas grampeadas mais acima.
Toma
as folhas soltas, são todas independentes e os garranchos tem pressa. As
palavras correm enquanto discursam teorias da aprendizagem, o processo
cognitivo da linguagem e o que paulos, marias, alemães e pernambucanos tem a
dizer sobre o que se ensina nos prédios de grades pelo seu país. Corre os olhos
pelas frases e a agilidade como a leitura dispara tende a deixa-lo sem fôlego.
Abandona. Parece que não está ali também a forma que deseja.
Então
toma os cadernos mais recentes de aparências mais joviais. Os retângulos são
identificados por etiquetas planas que indicam em quais anos pertencem aqueles
sólidos. Abre cada um deles e nota como os vocábulos vão se organizando retamente
e buscam, em toda a geometria, ser claros para alguém. Quem? Um dos cadernos é
todo em letra bastão. Alfabetização! O outro se inicia também em bastão, depois
passa pela letra de imprensa e finaliza convicto nas curvas decididas de um
escrito dedicado. Quem leu isso?
Fecha
todos os cadernos. Mãe, apartamento, lotação, leve-leite, Brasil vice-campeão
de 98, bola de leite, Magda, quadrinhos, pornô, desenhos japoneses,
Playstation, Tanabi, teia de aranha, salgados fritos, malhação, allstar, By The
Way, Frank Wedekind, beijo em Aderízio, sexo escondido, blog, MSN, trampo na
Folha, Piaget, Vygostski, condução, trânsito, Rodovia Washington Luís, concurso
público, alisante capilar, multas, hipóteses de escrita, círculos, espelho,
barba, Martini, Rafael, linha verde, balsa, livros, Palácio de la Moneda, Casa
das Rosas, iphone, curvas de Santos, livros de cadernos. Palavra. Lexico
semiótico poli diametral.
Parece
não saber qual forma tomam suas palavras a partir de agora. Esboça uma dúvida,
vejo, de qual corpo o léxico deve formar.
E enquanto não há forma, não há corpo, não há vida e não me parece que
respira. Está morto, suponho. Mas a fagulha de letra que acredito desapontar no
seu peito leva sua mão a tomar o lápis. Ponta redonda. Vá, escreva, torço. Obedece.
E a
forma que se toma é esta que chega. Ele escreveu e não sabe que letra usou.
Mas
escreveu e esta é a vitória destas linhas.
* *
Orações A Saturno é o templo da linguagem pragmática sem a moral do mundo que o perturba. É um alento. Algo que eclode. Não sei. Um out de si no tempo da palavra. É sábado, todo sábado. São rezas para deus-palavra. E isso é tudo, quando não há nada.
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