quinta-feira, 26 de julho de 2018

[Projeto Láquesis] Bella - Joana Hortz



Tudo começa pelos cabelos com suas ondulações e seus aromas, depois disso passa pela nuca, pela clavícula, os seios assimétricos, braços, dobrinhas. Por fim, chega as pernas com suas celulites e estrias. Fiz todo esse percurso que faz parte de mim, tantas vezes que até perdi a conta. Olhando e analisando novamente no espelho - que muitas vezes tentei evitar - todas as minhas imperfeições, todos os detalhes e lugares fora do lugar que me deixavam tão angustiada. Minha pele muitas vezes ficava vermelha, pois eu a puxava com ardor esperando que aquela carne sobrando não fizesse mais parte de mim. Que meu ser fosse finalmente puro e dentro dos padrões.
Houve tão poucos momentos nos quais me senti amada e que me amei, que mal guardo essas memórias em mim, estão fragmentadas como um sonho distante. Porém aquele momento era um deles, pois eu tinha alguém comigo. Alguém cobiçado por outras mulheres também, e que estava comigo mesmo eu sendo gorda. Era o nosso primeiro encontro, onde conheceria seus amigos.
- Você vai com essa roupa mesmo? Não está mostrando muito seu corpo? - Ele perguntou enquanto eu vestia meu vestido favorito, que realçava meu busto como nenhum outro.
- Mas Carlos… Está tão bonito. - Eu respondi chorosa.
- Você está muito gorda com ele, seus peitos estão pulando para fora. Está horrível. - Ele respondeu abotoando sua camisa.
- Mas…mas.. - Não adiantava discutir.
Vesti um calça comum e uma camiseta bem fechada para que ele não reclamasse, então fomos para o encontro.
Lá pelo meio do jantar, todos já estavam um pouco embriagados, menos eu que não bebo. Haviam muitos homens lá, mas me senti protegida ao lado do meu namorado, mesmo todos me observando com olhares enviesados.
- Então… Sua namorada deve dar trabalho, não é? - Perguntou um deles, que se chamava Gustavo. Tinha cabelos loiros e ensebados.
- Por que eu daria? - Disse rindo.
Ele não me respondeu, era como se eu estivesse falando com as paredes.
- Claro que dá! Toda vez que ela sobe em mim eu perco o ar! - Respondeu Carlos seguido por um coro de gargalhadas.
- Espero que tenha seguro de vida. - Pronunciou um terceiro, que eu não lembrava o nome.
Todos riam sem parar. Aquele som uníssono de risadas e deboches sobre mim me esmagava, e eu me senti tão insignificante que nem ao menos consegui abrir a boca. Então eu ri, uma risada amarela junto a eles. Pensei que logo aquilo iria passar, que iriam mudar de assunto, que chegaria o momento de ir para casa.
Carlos bateu em minhas costas como se fôssemos velhos amigos, ou como se estivesse batendo no lombo de uma vaca, não soube diferenciar.
Tinham alguns petiscos em cima da mesa e eu estava morrendo de fome, no entanto, nem ao menos belisquei um petisco sequer para não ser alvo de mais chacotas devido ao meu corpo.
- Essa daqui da um tranco e tanto!
- Duvido que consiga enxergar seus pés, consegue? - Perguntou Gustavo, enquanto dava uma longa golada em seu chopp.
- Consigo… - Disse, sentindo-me esquentar, tanto de vergonha como de raiva.
Aquilo não parecia estar acontecendo, desde quando meu namorado deixaria que falassem daquele jeito comigo? Todos pareciam me olhar como se eu fosse um porco pronto para o abate.
- Espera, espera, espera. - Disse Gustavo batendo a caneca na mesa.
Todos os cinco membros da roda o olharam.
- Carlos, sua namorada é tão gorda, mas tão gorda que usa lona de circo para se vestir! - Disse cuspindo.
Todos riram de engasgar e eu me levantei da mesa.
- Vou para casa. - Disse sentindo meus olhos marejarem.
- Amor, fique aqui. Estamos apenas brincando. - Ele disse, segurando-se para não rir. - Não tem motivo para ficar assim.
- Não, eu quero ir. – Insisti com veemência.
Ele se levantou e apertou meu braço com violência.
- Não, você vai ficar. Porque eu a trouxe até aqui, para conhecer meus amigos e não quero passar vergonha! - Respondeu seriamente.
- Já está, meu amigo, olha o tamanho dessa jamanta! - Era outro amigo de Carlos, Alberto, que ainda não tinha se pronunciado.
Carlos não respondeu, ficou me encarando, esperando que eu sentasse e ficasse calada
- Não vai me defender? - Eu perguntei.
- Estamos apenas brincando. Você não entende, falamos desse jeito um do outro, é brincadeira de homem. Pense pelo lado bom, estamos te incluindo na conversa. - Disse tranquilamente. - Eu faço tudo isso, porque eu te amo.
- Não quero participar dessa brincadeira, me solte! - Disse tentando puxar meu braço.
Antes que eu pudesse protestar novamente, ele me puxou para um lugar afastado onde deviam ser os fundos do barzinho onde estávamos e seus amigos o seguiram.
- O que você está fazendo? - Perguntei já sentindo o vento frio do lado de fora.
O ambiente estava deserto.
- Te ensinando a me respeitar! Não quero passar vergonha. - Retrucou.
- De mim? Me diga, por favor, se tem tanta vergonha de quem eu sou, por que me namora? - Gritei.
Todos os amigos dele riram.
Carlos veio em minha direção, apontado seu dedo para minha cara, seu olhar era de um assassino e isso me causou calafrios que percorreram minha espinha.
- Me escute com muita atenção: Você nunca irá achar alguém como eu, você nunca irá arranjar mais ninguém! Olhe pra você! - Gritou e me olhou de cima para baixo com desprezo. - Então, eu acho melhor você me respeitar e parar de agir como uma idiota.
Senti cair sobre meus joelhos, aquilo já tinha ido longe demais. Poderia aguentar toda aquela humilhação, poderia aguentar as privações e a falta dos meus amigos, tudo isso pelo relacionamento, mas saber que a própria pessoa com quem eu estava me desprezava, era dilacerante.
- Então arranje alguém para você! Alguém como você! - Respondi chorando.
Alberto se aproximou.
- Sabe, o Carlos é o tipo de cara que faz caridade.
Nunca me senti tão insignificante e acuada. Ele estava comigo apenas para tirar sarro da minha cara?
- VÁ A MERDA! - Disse a plenos pulmões.
- Olha só, a porquinha sabe xingar! – Zombou Gustavo.
Carlos cerrou os punhos e me lançou um olhar frio.
- Cara, relaxa. Deixa a jamanta ir embora. – Falou o qual eu não sabia o nome.
- Me deixa em paz. - Disse para o seu amigo. - Você nunca mais irá falar desse jeito comigo!
- Tá bom cara. - Ele respondeu se esquivando para longe.
- Cara, deixa ela! Vamos embora! - Gritaram eles.
Ele veio se aproximando aos poucos, com as mangas da camisa erguidas e seu olhar gélido para mim. Vagarosamente como se eu já estivesse abatida, e eu não poderia fazer nada para me defender. Gritar? Quem ouviria meus gritos? Correr? Não tinha saída. Eu o amava, mas pelo jeito não me amava o bastante para fugir.
Nesse momento eu senti, primeiro um puxão no cabelo, um ardor no rosto seguido de um gosto de sangue pela minha boca, uma dor na clavícula e chutes que se prolongavam pela minha perna. Eu não disse nada, para mim aquilo não era real.
- Isso é pra aprender a se comportar. - Escutei sua voz abafada.
Todos foram embora, e as risadas cessaram. Fiquei ali no chão, observando o letreiro do bar ficar amarelo, depois vermelho, azul, amarelo...

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