terça-feira, 29 de setembro de 2020

[Das Ruas Solitárias] De você, eu guardo a saudade mais bonita - Val Saab

 


#Pratodosverem imagem desfocada de um horizonte com céu parcialmente nublado, uma estrada e árvores, no centro está escrito com letras brancas: "De você, eu guardo a saudade mais bonita".




                                               Quais as saudades que ficaram em vocês?


 

 

Saudade

SUBSTANTIVO

sentimento melancólico devido ao afastamento de uma pessoa, uma coisa ou um lugar, ou à ausência de experiências prazerosas já vividas (freq. us. tb. no pl.)

"<s. de uma amiga> " · "<s. de comer graviola> " · "<saudades da pátria> "

 

Usamos saudades para expressar a falta que alguém nos deixou. Como diz a definição acima, o afastamento de uma pessoa, de uma coisa ou de um lugar.

Apaixonados sentem saudades um do outro quinze minutos depois da partida. Mandam mensagens e já sonham o momento de estarem juntos novamente. Grandes amigos deixam grandes saudades, às vezes, por morar longe; às vezes, por eventuais brigas, discussões e separações. E aquela saudade que nos deixa melancólicos e nostálgicos de momentos especiais que já se foram e não voltarão? Saudades.

A palavra “saudade” não existe em outra língua. É uma palavra abençoada da nossa língua Portuguesa, em outras línguas é comum dizer: sinto sua falta, em Inglês ,”I miss you”. Somos nós brasileiros que podemos dizer: sinto saudades de você! ( você me faz falta, tem um vazio que ninguém mais pode ocupar).

“Oh pedaço de mim, oh metade amputada de mim”

Recentemente, perdi meu pai. E olha, eu sou budista, não sou uma pessoa apegada às coisas ou às pessoas de uma forma geral. Porque você precisa entender que o que nos faz sofrer é o apego que temos pelas coisas ou pelas pessoas, porque se fosse apenas amor, um amor verdadeiro, não sofreríamos ao perder pessoas (ou coisas). Mas, vivemos em uma sociedade capitalista que nos ensina que o mais importante é ter. Ter marido, esposa, namorado ou namorada entram no mesmo balaio de ter um carro bonito ou um apartamento bem mobiliado. Estamos mudando os valores ao longo dos anos sem nos atentar. Nos perdemos em querer tanto o tempo todo, que nos escapa, muitas vezes, o que é realmente importante para nós ou o que é que realmente precisamos ter na nossa vida. E ter bons amigos e bons relacionamentos não deveria ter absolutamente nada a ver com dinheiro ou posses. Infelizmente, sabemos que não é bem assim que as coisas funcionam.

“Leva os teus sinais

Que a saudade dói como um barco

Que aos poucos descreve um arco

E evita atracar no cais”

 

 

No meio dessa pandemia que parece nunca ter fim, a palavra saudade brotou nas nossas vidas. Eu tenho saudades de andar na rua sem máscara e tenho saudades imensas de poder viajar sem ter medo de ficar doente. Tenho saudades de café com amigos, sentar nas padarias que são meus lugares favoritos na cidade, e claro, saudades imensas do meu pai.

“Leva o vulto teu

Que a saudade é o revés de um parto

A saudade é arrumar o quarto

Do filho que já morreu”

 

Mas, a saudade dele é diferente de todas as outras saudades, e aqui eu junto a pandemia, a posição de filha, a filha budista, a filha poeta, a filha míope como ele, a filha que admirava de montão aquele homem, a filha que se sente órfã, a filha que chora quando vê uma foto dele sorrindo. E assim, a saudade tomou proporções gigantescas na minha vida, um sentimento que eu havia aprendido a quase não ter mais. 2020 trouxe tudo de volta. Logo que ele se foi, meus ensinamentos budistas vieram todos à tona. É apenas o corpo, é apenas o físico, ele agora vive em mim e somos inseparáveis. Mas, dizem que o luto tem suas fases e agora estou na fase da raiva: que se danem todos os ensinamentos, quero meu pai de volta. Quero abraça-lo e quero perguntar para ele coisa bobas do dia a dia. Quero lhe dar uma bronca para não ir ao supermercado, quero lhe dizer que sinto falta da sua comida, quero lhe dar um beijo naquela pele libanesa que se recusou, até o último dia, a enrugar. Quero ouvir sua voz. E sinto, apenas sinto, saudades. Uma palavra que agora se faz traiçoeira porque me preparei tanto para quando ele fosse, eu ficasse bem e não sentisse tantas... saudades!. Mas, o amor que nutrimos por algumas pessoas, vai além do material, do racional, de qualquer outra relação, amar uma pessoa verdadeiramente e perde-la é perder um pedaço do próprio coração. É amanhecer e saber que precisamos ser fortes e nutrir nesse coração machucado, todo o amor que sentimos pela pessoa para que esse compense a falta física. E assim, eu penso que aprendemos o verdadeiro sentido do amor e o verdadeiro sentido da vida. Porque viver é exatamente esse caminho: nascemos, vivemos e morremos. E enquanto, por alguns momentos, a vida parece tão inexplicável, a morte vem nos dizer que existe sim, um sentido. E nossa maior obrigação, como seres humanos, é fazer dessa experiência, a descoberta desse sentido. E que ela seja sempre carregada do mais puro amor e da mais linda saudade.

“Que a saudade dói latejada

É assim como uma fisgada

No membro que já perdi”

 

 

Val Saab

(trechos da música "Pedaço de Mim", de Chico Buarque)

 

 

 


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